segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Escrever x Ensinar

Fui a uma palestra do professor Newton Duarte há uns dois anos quando o mesmo esteve na UFES para falar sobre a precarização do trabalho do professor. Tema bastante pertinente pra mim, que fiz a dissertação também sob este parâmetro. Recentemente, enquanto organizava meus documentos, livros e rabiscos, encontrei um registro feito à caneta esferográfica azul, com minha letra miúda e desajustada e era justamente a respeito dessa palestra. Esqueci de colocar a data, então estou refém da minha memória... acredito que tenha sido no ano de 2015 ou início de 2016...
Fiquei pensando, analisando a leitura e me recordando das palavras que o professor Newton Duarte usou naquela manhã em uma palestra que eu ficaria horas, dias...
Tem coisas que acontecem e a gente mal percebe, quase nunca se dá conta de fato, mas são essas que nos enriquecerem na nossa ínfima condição de ser humano. Lembro que o professor palestrante falou sobre um monte de coisas que eu já sabia, outras que eu nem lembrava mais que sabia e mais algumas que me despertaram para coisas que não havia pensado ainda. Uma dessas me marcou profundamente e me fez pensar e analisar o andamento da minha vida...
Me recordo do professor Newton Duarte dizendo "na sociedade capitalista você trabalha pela sobrevivência, pela necessidade de adquirir o dinheiro que garante a sua subsistência. Na sociedade comunista você trabalha pela necessidade de de fazer aquilo que você precisa para atingir a sua plenitude enquanto ser humano". Essa foi uma das falas que estavam registrada no esboço que escrevi  no dia da palestra. E então, associei com alguns trechos de um livro que li recentemente do professor Mario Sérgio Cortella (Por que fazemos o que fazemos?), em algumas passagens do livro me delonguei um pouco mais, uma delas foi: "Temos de trabalhar! podemos fazê-lo para mera obtenção da sobrevivência ou também como um modo de marcar nossa presença no mundo". Que no final das contas se assemelha muito com a frase do Newton Duarte apesar de não deixar escancarado para o leitor a questão da luta de classes.
Então fico pensando... se eu não fosse professora, o que seria? o que me faz ter necessidade de me fazer atingir a minha plenitude como ser humano? será que apenas existo ou deixo a marca da minha presença no mundo?
Sim, eu amo a minha profissão. Sim, eu deveria ganhar mais. Sim, apesar de me reconhecer no que faço e de me sentir realizada com a docência, eu trabalho para sobreviver. E... não, eu não me sinto plena vivendo nesta sociedade e o problema não é o lugar onde estou ou o que faço, mas a forma como as coisas estão estabelecidas neste sistema econômico ao qual estamos invariavelmente submetidos.
O professor Newton Duarte disse que "o trabalhador não é sujeito da sua atividade, ele é instrumento da sua atividade de trabalho. No caso do professor isso se agrava de tal forma porque a depender do nível de alienação do professor, o produto final de seu trabalho poderá ter sua qualidade comprometida, o que não acontece em outras profissões, que independente do grau de alienação do trabalhador, o produto não terá interferências em sua qualidade".
No livro Por que fazemos o que fazemos? o professor Cortella diz que "Nós fazemos o trabalho, mas em certo sentido, ele também nos faz. Isso acontece na medida em que o trabalho ajuda a moldar as nossas habilidades e competências. As atividades que realizamos contribuem para formar a nossa identidade profissional".
E refletindo sobre o que estes mestres ensinam, eu percebo que se a nossa sociedade tivesse outros propósitos que não apenas o lucro a qualquer custo, talvez então eu não fosse somente professora... talvez eu fosse também escritora... imagine só: viver das palavras e não apenas do processo pedagógico de ensinar! Quando escrevo é quando me sinto plena, sem medos de errar ou de me arrepender. Porém, a plenitude do ato de escrever não anula nem diminui a plenitude do ato de ensinar. Gosto de me sentir plena nessas duas atividades. Porque ao escrever ensino melhor e ensinando tenho melhores condições de escrever e protagonizar a minha história.

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